25 novembro, 2006

A Feira dos Mil e Quatro

A manhã acordou radiosa sobre os tectos dos radiantes Amarenses (os Amarenses andavam radiantes desde que descobriram que a vida era muito mais simples sem dinheiro). Era dia de feira e, no descampado em frente do castelo, montaram-se mil e quatro barracas de mil e quatro cores. Os feirantes corriam de um lado para o outro, miravam a sua montra, experimentavam doutro ângulo, arrumavam, desarrumavam e tornavam a arrumar os seus produtos nas bancadas. Mil quatro bandeiras esvoaçavam no recinto. Em breve, mil e quatro feirantes apregoariam mil e quatro pregões para os muitas vezes mil e quatro compradores que viriam.

Era assim todas as semanas.

Mas dessa vez apareceu mais um vendedor! Ficaram mil e cinco barracas de mil e cinco cores, das quais se erguiam mil e cinco bandeiras de mil e cinco vendedores atarefados.

O equílibrio da feira tinha sido quebrado. Os feirantes e visitantes reuniram-se na maior confusão à volta do intruso. Este esfregava as mãos húmidas com nervosa satisfação, enquanto o seu ajudante abria a carroça ambulante.

Era Jota Pê Benetton e estava satsifeitíssimo por ter a feira toda para si. Começou a apregoar os seus produtos:

“Senhoras e senhores, trago aqui comigo uma vasta gama de produtos milagrosos e de qualidade! Este aqui, por exemplo...” - e mostrou um frasquinho com creme côr-de-rosa - “é um produto para as borbulhas da cara. Espalha-se por toda a superfície facial e, com três ou quatro utilizações, borbulhas nem vê-las!”
- Vê-se logo que nunca o usas ! - ouviu-se entre a assistência. O sorriso de J. P. Benetton ficou um bocado amarelo.
“Tenho aqui este detergente para retretes. Muito seguro, muito eficaz, mata todos ps germes ...”
- E mata os vermes também? Devias usá-lo todos os dias parvalhão! - as gargalhadas inundaram o recinto. O sorriso do vendedor ficou um bocado cor-de-merda.
“Mas vocês, que vivem neste belo lugar à beira-rio, talvez prefiram um destes chapeús de palha voadores!”

Nesse momento uma rabanada de vento arrancou o chapéu da mão de Jota Pê Benetton e levou-o para longe.
- Olha, aquele voou mesmo - comentou-se entre a assistência - Não te preocupes, chapéus há muitos, ó palerma!

O sorriso tinha desaparecido da cara do vendedor, sem deixar rasto.

“Por favor !” - suplicou - “Só estou a tentar fazer negócio, tenham piedade! Se não me querem ouvir vão-se embora, mas não me arruinem a reputação!”

A assistência “teve piedade” e foi-se embora deixando o vendedor, a sua reputção e o ajudante às moscas. Estes não tiveram outro remédio senão desamparar a loja e ir-se embora.

- E não voltes, imbecil!

O vendedor parou e virou-se para trás:

- Não voltarei. Vou para S. Julião onde talvez as pessoas sejam mais inteligentes que vocês !
- E não te esqueças de nos escrever a mandar saudades que cá não deixas nenhumas!
- Charlatão !
- Parvalhão !
- Cara de cão ! - gritaram os Amarenses.
- E boca de broche broca (censurado 16-8-94)! - acrescentou um puto.

O vendedor afastou-se a praguejar: "Chapéus há muitos ó palerma ... francamente!"

Foi então que um sujeito um sujeito lhe saíu ao caminho:

- Muito bom dia! Estava há pouco na feira quando você tentou vender os seus produtos. Achei-os bastante interessantes. De facto, nem consigo decidir qual deles prefiro, por isso quero comprar todos. Quanto é que faz tudo?

O vendedor nem queria acreditar na sua sorte, mas resolveu aproveitar a situação:

- O stock todo vale 300 moedas, senhor. Se quiser até pode levar a carroça, o burro e o meu ajudante também.
- Negócio fechado.

O homem fez sinal ao ajudante para manobrar burro e carroça para voltar a Santo Amaro, enquanto mexia num molho de papeis.

- É o meu dinheiro? - inquiriu nervosamente o vendedor.
- Qual dinheiro? Aqui em Sto Amaro não temos disso, as moedas de qualquer metal são automaticamente convertidas na moeda local - informações! O seu material vale pelo menos três segredos de estado. Terá que os debitar na minha conta no banco do Sr. Snaga. Mas, como o Sr. Snaga sou eu, posso pagar-lhe já. O que quer saber? Quem foi o último amante de Dona Juliana? Talvez. Ou a palavra-senha do bando do Cão? Talvez prefira saber quem são os espiões de Dom Eduardo Locomotiva que trabalham em Sto Amaro? Muito bem, eu passo-lhe o cheque com as informações.

Snaga rabiscar qualquer coisa numa folha do seu maço de papeis. Jota Pê Benetton, que não tinha muita agilidade mental para reagir a situações inesperadas, estava estupidificamente boquiaberto. Snaga parou de escrever e entregou ocheque ao vendedor.

- As suas informações, senhor. E aceito a sua oferta, levo também a carroça e o burro, mas pode ficar com o seu ajudante. Passe muito bem ! - e Snaga abalou em direcção a Sto Amaro.

O vendedor, quando recuperou a consciência, não conseguia acreditar no que se tinha passado. Deu um pontapé num calhau, partiu a perna e arrastou-se pela estrada fora em direcção a São Julião.

Pelo caminho deixou cair o talão com os segredos de Estado. E em Santo Amaro nunca se soube de ocasião em que valores perdidos fossem achados por quem os guardasse melhor. Os segredos andariam de mão em mão até terem causado todo o dano que, efectivamente, vieram a causar.

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