25 novembro, 2006

O Concílio do Espermatozóide

Nesses tempos, o Velho da Montanha voltou a dar que falar.

Foram os tempos em que se organizou um concílio conhecido doravante como Concílio do Espermatozóide (por ter tido lugar numa caverna perto da nascente da ribeira homónima) que logrou unificar a ciência com a religião. Foi o início da Revolução Teológica, que arrastou consigo a queda da reverendíssimo Taveira, teólogo dos mais radicais, que defendia que a droga e o futebol americano já eram correntes em Sodoma e que Gomorra era responsável, com o seu pecado, pelo aparecimento da terrível doença venérea Gomorreia. Ora, o Velho pretendia apenas que a religião Salusiana aceitasse a validade da Teoria científica sobre as coisas do mundo físico e remetesse a Teologia para o domínio da Metafísica. Para tal, valeu-se principalmente de um argumento.

Toda a gente sabe que THEO é o antepassado grego do DEUS latino e que RIA (não do verbo RIR) era o significado de rio segundo a conversão filológica revelada à pastorinha Lúcia pela feminista Virgem Maria. Por isso, TEORIA (THEO + RIA - H) significava “conhecimento que fluía de Deus” ou Revelação.

Alguns padres não ficaram convencidos mas o Velho deu um exemplo. Enunciou uma Teoria segundo a qual “nada pode mover-se mais depressa do que a luz”. Os padres todos discordaram: Deus era omnipotente, podia mover-se mais depressa do que tudo que ele quisesse. O Velho replicou: Deus era Omnipresente, por isso estava em toda a parte; consequentemente, não precisava de se mover para viajar desde o paraíso até à Terra, ou entre quaisquer outros dois lugares pois estava em ambos os sítios ao mesmo tempo.

Mas o abade Rocha, nomeado pela Abadia dos Salusianos do Estoril - recentemente construída no deserto de Cascais com o piedoso objectivo de pregar e converter os selvagens que por aí andassem - levantou um grave problema: se Deus era omnipresente também era omnividente e, como tal, quando alguém “aponta” de indicador espetado pode muito bem acertar no olho d’Ele.

O Velho defendeu-se dizendo que Deus era omnisciente e que por isso saberia sempre como e quando se desviar de “indicadores espetados”. Como Ser Absoluto e dado que o Ser é de categoria superior ao Não Ser, bastava a Deus querer que no lugar do fura-bolos em riste não fosse o seu supremo traseiro para se furtar a um indesejado clíster. O Velho conhecia bem as mentes porcas dos seus adversários.

Frei Antunes perdeu as estribeiras e ameaçou afogar alguém na ribeira do Espermatozóide. Mas um humilde monge colocou ainda o problema de que se Deus era omnipresente, ele corria o risco de O colocar, sem saber, no microondas, o que enfureceu ainda mais Frei Antunes. Mas o Velho prontamente o acalmou, e sossegou também o monge dizendo que Deus era também omnívoro, pelo que não corria o risco de ter alguma indigestão com o que quer que ele gostasse de cozinhar no microondas.

Ainda a omnipresença de Deus levantou outro problema: e se Deus estivesse no leite de vaca que o Cura Miguel bebia sempre no pequeno-almoço? Que não se preocupasse, respondeu imediatamente aquele monge, entusiasmado com o protagonismo do seu discurso e despreocupado da questão de qual das facções ali estava a representar. Porque Deus, omnipotente, não se deixaria certamente digerir e, ao fim de algumas horas, estava cá fora de novo. Mas daqui adveio nova discordância: nesse caso, podia dar-se o facto de muitos dejectos humanos serem sagrados por terem estado na companhia de Nosso Senhor. O problema resolver-se-ia, disse outro monge, que era administrador de cemitérios, declarando os aterros sanitários lugares sagrados.

Perante tudo isto o beato Zé Bosco enfureceu-se e (ironizando, claro) perguntou porque é que não atribuíam à omnipotência do Senhor as características particulares da ribeira do Espermatozóide (era procurada por mulheres e homens que, nas fragas banhadas pelas suas águas, procuravam a cura para a infertilidade). Mas, para sua surpresa, os assistentes levaram-no muito a sério e agora, no centro do lago donde parte a ribeira, ergue-se uma estátua de Nosso Senhor Omnipotente sorrindo voltado para a estátua de Nossa Senhora da Fertilidade, que já desde à muito se erguia no alto da torre do Bugio. A uma e a outra passaram a acorrer respectivamente multidões de peregrinas e peregrinos para fazer promessas aos padroeiros da fertilidade, esperando, com isso, resolver os seus problemas de descendência.

Tendo sido esta a primeira resolução tomada no Concílio, teve que se deliberar sobre a perseguição ou não dos hereges de Madorna, no deserto de Cascais. Estes desafiavam a autoridade da Abadia com o seu cepticismo afirmando que Deus, imaterial, não podia de modo algum ter dado um filho a Maria, nem tão pouco o podia ter feito o seu fiel criado Espírito Santo, pois este era uma pomba. Por isso diziam, ou Maria e José tiveram o seu filho como qualquer mortal, desacreditando assim o Pecado Original, ou foi o Anjo Gabriel que tomou conta do assunto em nome do omnipotência do Senhor. Então, nesse caso se até os anjos pecam, e como os anjos são anjos e como tal não podem pecar, pecar não é pecado, o que vai dar de novo ao descrédito do Pecado Original. Nesta doutrina baseavam os hereges o seu comportamento e a sua seita, encabeçada pelo índio Prumo Espadinha de Madorna, chamava-se Baccanalle - Toullejour ou, traduzindo, Bacanal-Todo-o-dia.

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